quinta-feira, 7 de julho de 2011

Nós Sempre Teremos Vienna

Obediente, educada, aplicada. Aparelho nos dentes, óculos e cabelo partido ao meio. Mais esperta que a maioria dos adultos. Assim era a pequena Dora. Sabia muito bem um dos principais elementos da felicidade: sabia como sonhar. Passava os dias na biblioteca do pai. Gostava dos livros, especialmente os mais antigos. As traças não a incomodavam. O importante é que viajava para o local mais bonito de que se tinha notícia. O importante é que estava em Vienna. Em meio aquela imensidão, Dora esquecia que tinha dez anos, que era só uma garotinha. Lá, poderia ser rainha. Rainhas tinham tudo o que queriam. Pareciam felizes. Diversas vezes os adultos diziam que se tivesse dinheiro poderia ter qualquer coisa. E aí ela acreditou. Ela sabia sonhar. Sonhando poderia ter tudo, e queria tudo. Já dizia sua mãe: só os bobos ficam satisfeitos.
Mas cresceu. Cresceu e esqueceu como se sonha. Rapidamente tornou-se bem-sucedida nos negócios. Aos vinte e seis era Theodora Assunção. Tinha tudo, mas não era como ela pensava. E agora, Dora? Agora quis recuperar seu tempo, mas não havia como. Ligações e mais ligações, pessoas falando. Trabalho. Agora que era adulta perdeu os sonhos de vista. E, junto com eles, o caminho para Vienna.
Teve medo de como seria dali pra frente. Provavelmente pioraria. Eram muitos papéis na mesa de jantar. Muito papel e pouca comida. Muitos jornais diferentes em cima da cama. Só jornais, nada mais. Não tinha filhos, marido, um namorado, um amante, um amigo. Nem um cachorro, ou um amigo imaginário. Sequer sabia o nome da diarista. Não sabia o que fazer. Ligou a TV, ligou o som, abriu a geladeira. Mas a casa continuava silenciosa. E escura. Quis chorar, mas estava atrasada. Se chorasse, borraria a maquiagem. Não tinha tempo para desenhar uma nova fisionomia. Se continuasse com medo enquanto dirigia provavelmente iria bater. Se sofresse um acidente, se atrasaria mais ainda para a reunião. Não tinha tempo para chorar. Nem para acidentes. Havia escolhido o lado errado da verdade. Realizou alguns sonhos, mas não todos. Envelheceu e não teve o que quis.
Mas aquilo era loucura. Decidiu que precisava de um tempo fora do ar. Permitiu-se alguns dias, voltou pra casa. Tirou os telefones do gancho, desligou os celulares, e jogou todos os papéis na lata do lixo. Deitou-se na cama e olhou para o teto. Entendeu que não custava nada sonhar, mas custava realizar sonhos. Poderia voltar a sonhar naquele momento, mas nem tudo seria realizado.
Aquela garota havia crescido demais. Sentiu-se velha, fim da linha para ela. Decidiu acabar com grandes mudanças antes que perdesse o que já tinha. Afinal lutara tanto, já tinha um bocado de coisa. Bastava. Não era das melhores, mas era sua vida. Olhou para o lado, viu uma foto da falecida mãe. Lembrou-se que nem sequer teve tempo parar chorar sua morte. E chorou lá mesmo na cama. Começou a lembrar das mãos macias que a mãe tinha, do cheiro da lavanda que ela usava. Do doce de banana que ela preparava, e que ela nem sequer pegou a receita. E lembrou-se de que só os bobos ficam satisfeitos. Não poderia desistir na metade do caminho.
Ainda tinha sonhos, ainda tinha ambições. Ainda queria um amor de verdade. Queria filhos e um lugar para ser ela mesma. Não seria fácil, mas valia a pena. Decidiu recomeçar: poderia diminuir o trabalho, voltar a comprar doces e caminhar mais pela rua. Talvez na chuva. Viver um dia de cada vez, uma hora de cada vez. Devagar. Vasculhou pelas opções que tinha e procurou um caminho. E reencontrou. Um caminho apaixonante. Afinal, ela sempre teria Vienna.

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